sábado, 21 de fevereiro de 2009

PRINCIPIO NEMO TENETUR SE DETEGERE X OBRIGATORIEDADE DE TESTE DE BAFÔMETRO, DE DNA E OUTRAS FORMAS

Uma das questões mais interessantes de aplicação do princípio está na obrigatoriedade, ou não, de o réu ser submetido ao teste de bafômetro, de DNA, ou a qualquer outra forma de coação que o sujeite à realização de exames.

Para responder à indagação acima, existem duas correntes bem delineadas.


Primeira corrente

A primeira corrente entende ser impossivel a submissão do réu a qualquer perícia contra sua vontade, não se podendo extrair da recusa nenhuma presunção de culpa.

Ora, ontologicamente, a palavra "direito" dá ao seu titular a opção de exercê-lo. Assim, não sendo uma conduta imposta e, optando-se pelo seu exercício, dentro dos limites razoáveis, o sujeito não pode sofrer qualquer sanção (TRF da 4a. Região).

A recusa do acusado ou investigado a se submeter ao exame de DNA ou ao bafômetro não pode ser interpretada, no aspecto penal, como confissão, assim como não é possível conduzí-lo coercitivamente a produzir prova contra si mesmo.

Frise-se que o reconhecimento desse direito não significa impunidade, porquanto apenas se está limitando um meio de prova, podendo ser utilizaods os outros meios legais aptos a provarem a imputação (por exemplo, prova testemunhal).

Não é necessário nem utilizar a intangibilidade corporal, mesmo porque é verossímil a argumentação de que é insignificante, do ponto de vista corpóreo, o material necessário para a realização do exame. O princípio nemo tenetur se detegere se basta por si, pra impedir a coerção estatal contra o réu.

Por outro lado, dizer que a prova de DNA ou bafômetro é indispensável para a condenação do réu é retornar ao sistema da prova tarifada. Nem mesmo essas provas são capazes de definir, por si, a condenação ou a absolvição do réu.

Ademais, devemos lembrar que a condição de réu não é sinônimo de culpado, veja o constramento a que um réu inocente se submete ao ser coagido a realizar qualquer desses exames.


Segunda corrente

A segunda corrente defende a possibilidade de sujeição do réu a exames compulsórios.

Pacelli aponta com precisão: "Nos Estados Unidos e em praticamente toda a Europa são permitidas determinadas ingerências corporais, variando apenas a necessidade de previsão legal e/ou de ordem de autroidade judiciária. Na Alemanha, o art. 81 do StPO autoriza expressamente a extração de sangue para teste de alcoolemia, dispensando ordem judicial, e exigindo a presença de um médico. Na Espanha, o Tribunal Constitucional permite também determinadas intervenções corporais, como anota Ruiz, em coletânea de jurisprudência daquela corte, cuidando de fazer a necessária distinção entre a prova pericial-técnica da prova obtida pelo depoimento, de modo a apontar a possibilidade de se submeter a intervenção corporal ao contraditório, e, assim, ao controle judicial"

Sergio Moro, em denso artigo, conclui: "Deve ser afastado como óbice a velha máxima latina de que ninguém pode ser obrigado a produzir prova contra si mesmo. Como foi demonstrado, não existe base normativa para um direito genérico da espécie, resguardando a Constituição e a lei apenas o direito ao silêncio. Não há, como também demonstrado, argumentos jurídicos, históricos, morais e mesmo de direito comparado que autorizem a amnpliação do direito ao silêncio para um direito genérico de não produzir prova contra si mesmo.

A invocação de pretenso direito da espécie pela doutrina e jurisprudência brasileiras é mais fruto do poder de um slogam do que uma robusta argumentação jurídica. Portanto, há a possibilidade legal e constitucional, com limites noprincípio da proporcionalidade, como os sugeridos, de colheita compulsória de material biológico do acusado e do investigado para exames genéricos em casos criminais".

Acreditamos que deva prevalecer a segunda corrente; todavia, em insistindo na adoção da primeira corrente, deve o Estado quando da realização de blitz, efetuar a gravação ambiental desse motorista. Efetivamente, não é possível alegar violação da intimidade, uma vez que o motorista encontra-se em via pública. Ademais, a filmagem funciona como outro meio de prova, permitindo ao juiz, em casos mais evidentes de embriaguez, formular um juízo adequado da real condição do condutor do veículo automotor.

Evidentemente, o policial que participou da blitz pode depor como testemunha; todavia, nesse depoimento há há falar em presunção de veracidade da administração pública. No processo penal, o depoimento de um policial é equivalente ao de um particular, sendo ambos relativos.

A obrigatoriedade do bafômetro atende ao príncípio da proporcionalidade, uma vez que a medida é adequada (pois é eficaz para reduzir a criminalidade de trânsito), necessária (não existe outro mecanismo mais eficar para solução do problema) e proporcional em sentido estrito (as vantangens superam qualquer insignificante lesão causada pela obrigatoriedade do uso do bafômetro).

Outra situação ilegal se apresenta quando o réu é induzido, fraudulentamente, a confessar. Ou quando o Estado, ainda que não o obrigue a confessar, produz prova de modo que o acusado, inconscientemente, fornece elementos para a sua realização.

Podemos citar como exemplos: a) o oferecimento de um refrigerante ao acusado para, com a saliva deixada no recipiente, realizar o exame; b) o delegado que, ao passar a mão no cabelo dopreso, obtém material biológico suficiente para a perícia; c) o policial que promete ao réu o benefício da delação premiada, mas não o concede.

A solução deve se pautar na lógica de que a confissão do réu só pode ser usada contra ele se houver renúncia ao direito de não produzir prova contra si mesmo. Esse é o alcance do princípio. Qualquer confissão ou material obtidos de modo fraudulento pela polícia ou por qualquer outro agente estatal não podem ser utilizados contra o réu no processo penal garantista.

Por fim, lembre-se que, em decorrência desse princípio, o acusado não pode ser coagido a participar da reconstituição do crime, ou a fornecer padrões gráficos para a realização de perícia, enconrando-se revogado o inciso IV do art. 174 do CPP.

Destaca-se que, no caso da necessidade de obtenção de padrões gráficos, o juiz pode requisitar outros elementos para a perícia, como, por exemplo, a assinatura efetivada na abertura de uma conta corrente em um banco, ou, na hipótese de o réu ser aluno de uma instituição de ensino, o requerimento de um teste por ele realizado. O que é inviável é coagir o acusado a escrever ou interpretar a sua recusa em seu prejuízo.

Américo Bedê Junior e Gustavo Senna, ob, citada.

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