sexta-feira, 3 de julho de 2009

PRINCÍPIO DO "FAVOR DO REI" ("IN DUBIO PRO REO" OU "FAVOR LIBERTATIS")

Esse princípio tem por fundamento a presunção de inocência.

Em um Estado de Direito, deve-se privilegiar a liberdade em detrimento da pretensão punitiva.

Somente a certeza da culpa surgida no espírito do juiz poderá fundamentar uma condenação (art. 386, VII, do CPP).

Havendo dúvida quanto à culpa do acusado ou quanto à ocorrência do fato criminoso, deve ele ser absolvido.


"In dubio pro reo" e "In dubio pro societate"

O princípio in dubio pro reo tem sua antítese teórica no princípio in dubio pro societate, que preceitua que, no caso de dúvida acerca da culpabilidade do acusado, decida-se em favor da sociedade.

Contudo, em nosso sistema, o princípio in dubiopro societate somente tem aplicação em específicas oportunidades: quando do oferecimento da inicial acusatória (denúncia ou queixa), porquanto não se cobra certeza definitiva quanto à autoria criminosa, somente indícios de autoria; e nos processos do júri, quando do encerramento da primeira fase (judicium accusationis), no momento da decisão da pronúncia pelo juiz (art. 413 do CPP).

Contudo, qualquer que seja o tipo de procedimento, sempre que se tratar de decisão definitiva de mérito - setnença em sentido estrito - vigerá o princípio in dubio pro reo.

quinta-feira, 25 de junho de 2009

PRINCÍPIO DO ESTADO DE INOCÊNCIA, DA "PRESUNÇÃO" DE INOCÊNCIA OU PRINCÍPIO DA NÃO-CULPABILIDADE

Fundamento legal: art. 5°, LVII, da CF: ("ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória").

Precedentes históricos: O princípio se positiva pela primeira vez no art. 9° da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (Paris, 26.8.1789), inspirado na razão iluminista (Voltaire, Rousseau etc.).

Posteriormente, foi reafirmado no art. 26 da Declaração Americana de Direitos e Deveres (22.5.1948) e no art. 11 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, na Assembléia das Nações Unidas (Paris, 10.12.1948).


Análise terminológica

Sustenta a boa doutrina que a expressão "presunção de inocência" é de utilização vulgar, já que não é tecnicamente correta.

É verdade. Presunção, em sentido técnico, é o nome da operação lógico-dedutiva que liga um fato provado (um indício) a outro probando, ou seja, é o nome jurídico para descrição justamente desse liame entre ambos.

No caso, o que se tem mais propriamente é a consagração de um princípio de não-culpabilidade, até porque a Constituição Federal (art. 5°, LVII), não afirma presumir uma inocência, mas sim garantir que "ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória", Assim, o princípio em questão alberga uma garantia constitucional, referindo-se, pois, a um "estado de inocência" ou de "não culpabilidade": vale dizer, ninguém pode ser reputado culpado até que transite em julgado sentença penal condenatória.


Conteúdo do princípio

Este princípio reconhece, assim, um estado transitório de não-culpabilidade, na medida em que referido status procesual permanece enquanto não houver o trânsito em julgado de uma sentença condenatória.

O princípio do estado de inocência refere-se sempre aos fatos, já que implica que seja ônus da acusação demonstrar a ocorrência do delito (actori incumbit probatio), e demonstrar que o acusado é, efetivamente, autor do fato delituoso.

Portanto, não é pricípio absoluto, alterando-se a "presunção" da inocência (presunção juris tantum), uma vez provada a autoria do fato criminoso. Nos casos em que não for provada a existência do fato, não existir prova de ter concorrido para a prática da infração penal ou não existir prova suficientemente segura para fundamentar o juízo condenatório (art. 386, II, V e VII, do CPP), será o juiz obrigado a absolver o acusado, não se lhe podendo imputar a culpa por presunção. Nesse caso, porém, falamos da aplicação do princípio in dubio pro reo

sábado, 20 de junho de 2009

PRINCÍPIO DA AMPLA DEFESA

Fundamento legal: art. 5°, LV, da Constituição Federal ("aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes").

O princípio da ampla defesa consubstancia-se no direito das partes de oferecer argumentos em seu favor e de demonstrá-los, nos limites em que isso seja possível.

Conecta-se, portanto, aos princípios da igualdade e do contraditório. Não supõe o princípio da ampla defesa uma infinitude de produção defensiva a qualquer tempo, mas, ao contrário, que esta se produza pelos meios e elementos totais de alegações e provas no tempo processual oportunizado por lei.

A defesa por ser exercida por meio da defesa técnica e também da autodefesa.

A defesa técnica é aquela exercida em nome do acusado por advogado habilitado, constituído ou nomeado, e garante a paridade de armas no processo diante da acusação, que, em regra, é exercida por um órgão do Ministério Público.

A defesa técnica é indisponível. Caso o réu não possa contratar um advogado, o juiz deverá nomear para sua defesa um advogado dativo ou, quando possível, determinar que assuma a defesa um defensor público. Sem isso, não poderá prosseguir o processo (arts. 261 a 264 do CPP).

A autodefesa é exercida diretamente pelo acusado. É livremente dispensável, e tem por finalidade assegurar ao réu o direito de influir diretamente na formação da convicção do juiz (direito de audiência) e o direito de se fazer presente nos autos processuais (direito de presença).

Assim,também, a necessidade de que o acusado seja interogado presencialmente, conforme o preceito do art. 185 do Código de Processo Penal, sob pena de nulidade.

Existente a defesa técnica, é direito das partes a produção de provas que demonstrem a ocorrência dos fatos alegados que tenham pertinência à causa.

Assim, se o juiz da causa rejeita a produção de uma prova que objetivamente seja necessária para a apuração da ocorrência de deteminado delito, configura-se o cerceamento ao exercício do dirito à ampla defesa (abreviadamente referido como "cerceamento de defesa"), o que configura nulidade.

Há que ressaltar que, nesse caso, não importa que a prova tenha sido requerida pela defesa ou pela acusação. O direito de defesa, nesse aspecto, relaciona-se com o dever que as partes no processo penal têm perante a apuração da verdade, que deverá prevalecer sobre a vontade individual das partes.

Por fim, há que fazer a ressalva de que o indeferimento de rovas ou de outros instrumentos de defesa, em si, não constitui, a priori, cerceamento ao direito à ampla defesa.

Com efeito, deve-se também atentar para o princípio do livre convencimento racional do juiz. Se a prova faltante não for, efetivamente, essencial para a apuração da verdade, ou quando o juiz entender dispensável a prova requerida, por entender suficiente a prova já existente, não se configurará a nulidade, desde que a negativa em determinar sua produção seja razoável e desde que seja devidamente motivada a decisão denegatória.

sexta-feira, 19 de junho de 2009

PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO*

Fundamento legal: art. 5°, LV, da Constituição Federal ("aos litigantes em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes").

O contraditório, na já clássica definição de Canuto Mendes de Almeida, é "a ciência bilateral dos atos e termos processuais e possibilidade de contrariá-los", pelo que representa uma garantia conferida às partes de que elas efetivamente participarão da formação da convicção do juiz.

Nesse sentido, como muitos dos princípios referidos neste capítulo, está, em certa medida, contido no conjunto das garantias que constituem o princípio do devido processo legal formal.

O princípio do contraditório significa que cada ato praticado durante o processo seja resultante da participação ativa das partes. Origina-se no brocado audiatur et altera pars.

A aplicação do princípio, assim, não requer meramente que cada ato seja comunicado e cientificado às partes. Relevante é que o juiz, antes de proferir cada decisão, ouça as partes, dando-lhe igual oportunidade para que se manifestem, apresentando argumentos e contra-argumentos.

Destarte, o juiz, ao proferir a decisão, deve oferecer às partes oportunidade para que busquem, pela via da argumentação, ou juntando elementos de provas, se for o caso, influenciar a formação de sua convicção.

Da mesma forma, a publicação e comunicação às partes de cada decisão têm por finalidade submeter as decisões proferidas ao crivo das mesmas,que, via de regra, terão novamente oportunidade para manifestação, ainda que seja pela via recursal.



Mougenot, ob. cit. p. 41-42

quinta-feira, 11 de junho de 2009

PRINCÍPIO DO DEVIDO PROCESO LEGAL

Fundamento legal: art. 5°, LIV, da Constituição Federal - "ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal".

Mais tecnicamente, em sede penal, chamado de devido processo legal.

"Devido processo legal" é expressão que deriva do inglês due process of law, constituindo, basicamente, a garantia de que o conteúdo da jurisdicionalidade é a legalidade (nullus actum sine lege), ou seja, o rigor de obediência ao previamente estabelecido em lei.

De fato, a origem histórica do princípio é inglesa (art. 39 da Magna Carta, outorgada em 1215 por João Sem terra aos barões ingleses), muito embora a concepção moderna do que venha a ser o devido processo legal se deva, em grande medida, à construção jurisprudencial da Suprema Corte norte-americana.




Edilson Mougenot Bonfim, Curso de Processual Penal, Saraiva, 4a. edição, 2009, p. 38 e s.

sábado, 30 de maio de 2009

PRINCÍPIO DO ESTADO DE INOCÊNCIA - PRESUNÇÃO DE NÃO CULPABILIDADE

"A prisão anterior à condenação definitiva constitui a maior contradição do processo penal, pois, se ete existe justamente para apurar a culpabilidade do acusado e impor a sanção punitiva correspondente ao crime praticado, não se pode explicar, com argumentos racionais, a sobrevivência de qualquer forma de restrição de um bem fundamental como é a liberdade, antes de estar judicialmente reconhecido o direito de punir do Estado"

Antonio Magalhães Gomes Filho

sábado, 23 de maio de 2009

ILICITUDEDA PROVA E INTERCEPTAÇÃO E GRAVAÇÃO TELEFÔNICA

A Constituição admitiu excepcionalmente a interceptação telefônica, exigindo lei para definir as hipóteses de cabimento.

A Constituição apenas ressalta que somente o juiz criminal pode deferir a produção de interceptações telefônicas e que essa prova deve ser requerida para fins criminais, transparecendo com isso uma clara opção no sentido de que a intimidade deve ser preservada e só de modo excepcional se pode admitir a interceptação telefônica.

O STF pacificou que todas as interceptações anteriores à Lei n° 9.296/96 eram provas ilícitas e somente admitiu essa prova após a edição da lei.

A Lei n. 9.296/96 exige o preenchimento de três requisitos para que o juiz defira a interceptação telefônica:

* a exigência de indícios de autoria (o que demonstra a adequação da medida);

* a comprovação de que não existe outro meio de prova (o que atende ao requisito da necessidade da medida);

* e que o fato investigado seja punido com pena de reclusão (o que demonstra a aplicação da proporcionalidade em sentido estrito, ao pontuar que, para as contravenções e crimes punidos com detenção, as vantagens da efetiva punição não superam as desvantagens, ou seja, a mitigação do direito à intimidade).

Os requisitos para o deferimento da medida estão em consonância com o princípio da proporcionalidade, devendo o juiz realizar uma motivação fática compatível com a gravidade da medida de interceptação, não sendo possível aceitar como fundamentação a alegação genérica do preenchimento dos requisitos legais para o deferimento da ordem.

A Lei n. 9.296/96 limita o tempo de interceptação ao prazo de 15 dias, podendo o juiz, fundamentadamente, admitir a prorrogação desse prazo. Alguns autores preenderam limitar a prorrogação judicial a uma única, totalizando o prazo máximo de 30 dias durante o qual o telefone pode ser interceptado, mas vem prevalecendo apenas que o juiz fundamentadamente de 15 em 15 dias o preenchimento dos requisitos para a manutenção da medida.

A lei prevê a possibilidade de o juiz determinar de ofício a interceptação telefônica, sendo que alguns autores entendem que essa medida violaria o sistema acusatório. Como já dito, qualquer meio de prova pode ser produzida pelo juiz, razão pela qual não concordamos com tal alegação, bem como a autoridade policial ou Ministério Público podem requerer a interceptação.

Apesar de não existir previsão de interceptação telefônica requerida pela defesa, entendemos que, em nome da ampla defesa e da paridade de armas, é plenamente possível a defesa requerer a interceptação.

Questão polêmica refere-se à degravação do conteúdo das conversas interceptadas. O problema é deveras relevante, porque é inegável que, com a mudança de contexto, alguma afirmação pode perder por completo seu sentido.

No confronto entre várias correntes sobre o tema, adotamos por adotar a posição intermediária que defende que a conversa a ser utilizada contra o réu deve ser degravada na íntegra, sem prejuizo de o réu ter acesso a todas as conversas por meio magnético.

Não se justifica exigir a degravação de parte que não será utilizada no processo; todavia, mesmo que isso leve dias ou meses, a degravação das conversas que podem produzir prova contra o réu necessariamente deve ser feita na íntegra.

Apesar da publicidade do processo penal, a interceptação telefônica deve ser mantida em sigilo, até porque tal medida atinge a intimidade das pessoas. Por certo, a imprensa escrita ou falada e os meios de comunicação não são o local adequado para punir ninguém, nem para transformar o processo penal num ritual circense para diversão com o sofrimento alheio.

A simples previsão legal de crime para quem quebra o segredo não vem sendo bastante para impedir a divulgação cotidiana do conteúdo das interceptações. É sabido que pode existir um interesse púbico, especialmente quando o réu ocupa cargos públicos, porém a divulgação somente poderia ser efetuada após o juiz autorizar o fim do sigilo e depois de oportunizar ao réu o exercício do contraditório sobre aquela prova e, ainda assim, deveria ser possível apenas a transcrição na íntegra, e não de trechos, que, como já dito, pode induzir e alterar o sentido de qualquer conversa.

Evidentemente, aquelas gravações que não interessarem como meio de prova dever ser destruídas, tendo a lei previsto uma audiência específica para essa finalidade.

Por fim, é de se destacar que deve ser aperfeiçoada a lei de interceptação telefônica, mas essas alterações não podem inviabilizar, na prática, a utilização desse meio de prova, nem banalizar o instituto, que deve ser sempre uma medida excepcional.

Questão diversa é a figura da gravação telefônica que ocorre quando um dos interlocutores, independentemente do consentimento do outro, efetua a gravação da conversa telefônica. Veja que aqui não existe a figura do terceiro.

O entendimento majoritário é no sentido de que a Constituição não impede a gravação, independentemente de ordem judicial, devendo ser lembrado aquilo que falamos em relação à gravação ambiental.




Américo Bedê Junior e Gustavo Senna, ob. cit.

domingo, 17 de maio de 2009

ILICITUDE DA PROVA E GRAVAÇÃO AMBIENTAL CLANDESTINA

Outra questão importante é a gravação clandestina. Utiliza-se o termo gravação quando um dos interlocutores efetua a gravação da conversa, não havendo falar em terceira pessoa, pois um dos integrantes da conversa e quem efetua a sua gravação.

Sobre o tema, Walter Nunes sustenta: "A respeito do assunto, note-se que, após a vigência da Constituição de 1988, se demora houve para o Supremo Tribunal Federal tivesse a primeira oportunidade para abordar o alcance da cláusula constitucional que estabelece a nulidade das provas obtidas por meio ilícito, ela não foi acentuada, uma vez que o primeiro contato com a matéria pela mais Alta Corte do País ocorreu no ano de 1993, no julgamento do processo mais conhecido como Caso Magri, no qual a defesa apresentada pelo advogado, para fins de inibir o recebimento da denúncia, era de que a prova, consubstanciada em gravação clandestina de conversa do acusado com outrem, continha eiva de nulidade, por afronta ao direito fundamental de preservação da intimidade.

Ali, naquele julgado, a Colenda Corte findou não acolhendo a tese de defesa, ao argumento de que a gravação clandestina, a despeito de ser reprovável no campo ético, não o é no jurídico, pois as garantias estabelecidas na Constituição em forma de direitos fundamentais, em rigor, estão previstas como forma de proteção à intervenção de terceiros, de modo que, quando um dos interlocutores cuida de registrar a sua conversa com outrem, ainda que sem o consentimento deste, não se á de falar em ofensa ao direito á intimidade.

Evidente que, na hipótese de gravação clandestina, apenas houve a documentação de uma situação que já não estava coberta pelo âmbito da intimidade, pois, quando um dos interlocutores dirigiu-se para o outro, o fez com total abdicação da intimidade, de forma que a gravação apenas documenta uma confissão ou um testemunho.

Nesse diapasão, é de se lembrar que, em situação análoga à da gravação clandestina, o Código de Processo Penal já previa, no parágrafo único do art. 233, que "as cartas poderá ser exibidas em juízo pelo respectivo destinatário, para a defesa de seu direito, ainda que não haja consentimento do signatário".

O fundamento para a utilização da carta é exatamente o mesmo da gravação clandestina, motivo pelo qual deve ser aceita como prova válida a gravação efetuada por um dos interlocutores independentemente de ordem judicial.

Por fim, devemos lembrar Denilson Pacheco, que, citando um precedente do STF, pontua: "Entendemos que, em princípio, o destinatário de qualquer dessas comunicações ambientais pode gravar o conteúdo daquilo que recebe, ainda que clandestinamente, ou seja, sem que o emissor saiba. Ora, se alguém é destinatário do conteúdo informacional e tem ciência dessa informação exatamente porque é o destinatário, não há, prima facie, óbice em que registre aquilo que já sabe. Assim, o STF entendeu que era lícita a prova constante de gravação audiovisual de conversa da ré com detetive e a repóter de TV, que se fizeram passar por interessados no anúncio veiculado, por se tratar de flagrante delito, com a observação de que não se caracterizou flagrante preparado, pois a autoridade policial, alertada da intenção criminosa, limitou-se a tomar providências necessárias para surpreender o criminoso, no ato da consumação do delito".

sábado, 2 de maio de 2009

Escuta Ambiental e Exploração de Local: Escritório de Advogado e Período Noturno

Trecho de julgamento do Supremo Tribunal Federal.

Prosseguindo, rejeitou-se a preliminar de ilicitude da prova de escuta ambiental, por ausência de procedimento previsto em lei.

Sustentava a defesa que a Lei 9.034/95 não teria traçado normas procedimentais para a execução da escuta ambiental, razão pela qual a medida não poderia ser adotada no curso das investigações.

Entendeu-se não proceder a alegação, tendo vista que a Lei 10.217/2001 deu nova redação aos artigos 1º e 2º da Lei 9.034/95, definindo e regulando meios de prova e procedimentos investigatórios que versem sobre ilícitos decorrentes de ações praticadas por quadrilha ou bando ou organizações ou associações criminosas de qualquer tipo.

Salientou-se o disposto nesse art. 2º, na redação dada pela Lei 10.217/2001 (”Em qualquer fase de persecução criminal são permitidos, sem prejuízo dos já previstos em lei, os seguintes procedimentos de investigação e formação de provas: … IV - a captação e a interceptação ambiental de sinais eletromagnéticos, óticos ou acústicos, e o seu registro e análise, mediante circunstanciada autorização judicial;”), e concluiu-se pela licitude da escuta realizada, já que para obtenção de dados por meio dessas formas excepcionais seria apenas necessária circunstanciada autorização judicial, o que se dera no caso.

Asseverou-se, ademais, que a escuta ambiental não se sujeita, por motivos óbvios, aos mesmos limites de busca domiciliar, sob pena de frustração da medida, e que, não havendo disposição legal que imponha disciplina diversa, basta a sua legalidade a circunstanciada autorização judicial.
Inq 2424/RJ, rel. Min. Cezar Peluso, 19 e 20.11.2008. (Inq-2424)

Escuta Ambiental e Exploração de Local: Escritório de Advogado e Período Noturno - 5

Afastou-se, de igual modo, a preliminar de ilicitude das provas obtidas mediante instalação de equipamento de captação acústica e acesso a documentos no ambiente de trabalho do último acusado, porque, para tanto, a autoridade, adentrara o local três vezes durante o recesso e de madrugada.

Esclareceu-se que o relator, de fato, teria autorizado, com base no art. 2º, IV, da Lei 9.034/95, o ingresso sigiloso da autoridade policial no escritório do acusado, para instalação dos referidos equipamentos de captação de sinais acústicos, e, posteriormente, determinara a realização de exploração do local, para registro e análise de sinais ópticos.

Observou-se, de início, que tais medidas não poderiam jamais ser realizadas com publicidade alguma, sob pena de intuitiva frustração, o que ocorreria caso fossem praticadas durante o dia, mediante apresentação de mandado judicial. Afirmou-se que a Constituição, no seu art. 5º, X e XI, garante a inviolabilidade da intimidade e do domicílio dos cidadãos, sendo equiparados a domicílio, para fins dessa inviolabilidade, os escritórios de advocacia, locais não abertos ao público, e onde se exerce profissão (CP, art. 150, § 4º, III), e que o art. 7º, II, da Lei 8.906/94 expressamente assegura ao advogado a inviolabilidade do seu escritório, ou local de trabalho, de seus arquivos e dados, de sua correspondência, e de suas comunicações, inclusive telefônicas ou afins, salvo caso de busca ou apreensão determinada por magistrado e acompanhada de representante da OAB.

Considerou-se, entretanto, que tal inviolabilidade cederia lugar à tutela constitucional de raiz, instância e alcance superiores quando o próprio advogado seja suspeito da prática de crime concebido e consumado, sobretudo no âmbito do seu escritório, sob pretexto de exercício da profissão. Aduziu-se que o sigilo do advogado não existe para protegê-lo quando cometa crime, mas proteger seu cliente, que tem direito à ampla defesa, não sendo admissível que a inviolabilidade transforme o escritório no único reduto inexpugnável de criminalidade.

Enfatizou-se que os interesses e valores jurídicos, que não têm caráter absoluto, representados pela inviolabilidade do domicílio e pelo poder-dever de punir do Estado, devem ser ponderados e conciliados à luz da proporcionalidade quando em conflito prático segundo os princípios da concordância. Não obstante a equiparação legal da oficina de trabalho com o domicílio, julgou-se ser preciso recompor a ratio constitucional e indagar, para efeito de colisão e aplicação do princípio da concordância prática, qual o direito, interesse ou valor jurídico tutelado por essa previsão.

Tendo em vista ser tal previsão tendente à tutela da intimidade, da privatividade e da dignidade da pessoa humana, considerou-se ser, no mínimo, duvidosa, a equiparação entre escritório vazio com domicílio stricto sensu, que pressupõe a presença de pessoas que o habitem. De toda forma, concluiu-se que as medidas determinadas foram de todo lícitas por encontrarem suporte normativo explícito e guardarem precisa justificação lógico-jurídico constitucional, já que a restrição conseqüente não aniquilou o núcleo do direito fundamental e está, segundo os enunciados em que desdobra o princípio da proporcionalidade, amparada na necessidade da promoção de fins legítimos de ordem pública. Vencidos os Ministros Marco Aurélio, Celso de Mello e Eros Grau, que acolhiam a preliminar, ao fundamento de que a invasão do escritório profissional, que é equiparado à casa, no período noturno estaria em confronto com o previsto no art. 5º, XI, da CF.
Inq 2424/RJ, rel. Min. Cezar Peluso.

sexta-feira, 1 de maio de 2009

TEORIA DOS FRUTOS DA ÁRVORE ENVENENADA

Outro ponto que vem sendo acolhido no direito brasileiro é a "teoria dos frutos da árvore envenenada", ou prova ilícita por derivação.

Por essa conjectura, a palavra ilícita, além de provocar sua própria anulação, também macularia as demais provas delas derivadas, mesmo que licitamente produzidas.

A lógica da "teoria dos frutos da árvore envenenada" é impedir que o Estado, titular de jus puniendi, aufira qualquer vantagem com a utilização de uma prova ilícita.

Portanto, havendo contaminação das provas obtidas a partir de uma prova ilícita, impõe-se a aplicação da teoria em comento, de modo que o Estado não alcance nenhum benefício por força de descumprimento das regras do direito.

Admitindo-se, então, a "teoria dos frutos da árvore envenenada", há que se pontuar as hipóteses nas quais não ocorrerá contaminação da prova lícita, ou seja, as exceções à sua aplicabilidade.


Exceções nas quais não ocorrerá contaminação da prova lícita

A primeira ressalva pode ser conhecida como a "teoria da prova que seria obtida de qualquer modo", ou seja, restando demonstrado que, de qualquer modo, chegar-se-ia àquela prova, não faz sentido considerá-la ilícita pelo fato de derivar de uma prova ilícita. Exemplificando: a polícia, por meio de uma interceptação ilegal, descobre que Tício presenciou um crime e, assim, determina a sua oitiva como testemunha. No entanto, Mélvio, que já ia prestar depoimento no processo, afirma que Tício estava também presnte no momento do crime. Ora, mesmo se não existisse a receptação ilícia, de qualquer modo, com o depoimento de Mélvio, chegar-se-ia ao conhecimento de que Tício era testemunha ocular do delito. Portanto, não há razão para se anular o depoimento de Tício. Nesse caso, não se deve aplicar a "teoria dos frutos da árvore envenenada".

A segunda exceção consistiria na ilicitude praticada por particular. Ora, como já asseverado, a justificativa para a adoção da "teoria dos frutos da árvore envenenada" é o fato de o Estado não poder se beneficiar de um ato ilícito por eleperpetrado. Se, ao revés, foi o particular que praticou o ato eivado de ilicitude, não há falar em contaminação das demais provas obtidas. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 251 445/GO, não aplicou essa distinção, o que nos parece um equívoco.

Aliás, criticando essa decisão da Corte Suprema, Eugênio Pacelli anota: "Ora, se a mais relevante função desempenhada pela garantia da inadmissibilidade da prova ilícita, para além de sua dimensão ética, é servir como fator inibitório e intimidatório de práticas ilegais, por parte dos órgãos responsáveis pela produção da prova, constata-se que, em nenum momento, tal missão foi cumprida. Ou, mais ainda, que em nenhum momento colocou-se em risco o incremento das atividades policiais abusivas. E assim nos parece porque quem produziu a prova não foi o Estado e sim um particular, que, à evidência, não se dedica a essa função (a de produtor de provas no processo penal).


Américo Bedê Junior e Gustavo Senna, Princípios do Processo Penal, Revista dos Tribunais, 2009

terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

PRINCÍPIO DA PROIBIÇÃO DE UTILIZAÇÃO DE PROVAS ILÍCITAS

A Constituição afirma, peremptoriamente, no inciso LVI do art. 5º, que "são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos".

Apesar da clareza do dispositivo, que busca preservar a legalidade na colheita de provas, a doutrina e a jurisprudência pátrias vêm apontando inúmeras situações em que não há aplicação pura e simples da norma fundamental.

Portanto, tal princípio é aquele que não admite provas obtida de forma ilícita no processo.


Questões controvertidas

Utilização de prova ilícita em face da gravidade do crime

Questão já clássica, a esse respeito, é a discussão sobre a utilização de uma interceptação telefônica não autorizada, do diálogo de um terrorista, e a possibilidade, em razão da gravidade do crime, de se validar essa prova para buscar a condenação do agente.

Apesar de reconhecermos certa procedência desses argumentos e a desigualdade real no combate à criminalidade, já que ela não tem qualquer limite jurídico ou moral, há de que se lembrar que o entendimento majoritário é de que não se pode transigir quando se trata de direitos fundamentais, pois seria o primeiro passo para a legalização do abuso e da ditadura.

Tiago Ávila (Provas Ilícitas e Proporcionalidade) sustenta:

"A garantia da admissibilidade possui como teologia central o efeito disuasório de violações aos direitos fundamentais (fim de proteção).

"São críticas a garantia da inadmissibilidade à luz da funcionalidade do processo: nem sempre a exclusão da prova irá permitir um efeito dissuasório efetivo; nem sempre a admissão de provas verídicas, ainda que obitdas com alguma violação material, acarrerará a injsutiça do julgamento; em muitas situações (especialmente diante de crimes mais graves) a exclusão de prova obtida de forma ilícia, mas verídica, causa muitos mais descréditos à integridade judicial que a sua admissão, sob uma perspectiva comunitarista; a inadmissibilidade constitui em muitas situações um instrumento de imunização da classe alta contra seus delitos; a inadmissibilidade das provas ilícitas não é um princípio absoluto, mas deve ser ponderada com os demais princípios conflitantes".

sábado, 21 de fevereiro de 2009

PRINCIPIO NEMO TENETUR SE DETEGERE X OBRIGATORIEDADE DE TESTE DE BAFÔMETRO, DE DNA E OUTRAS FORMAS

Uma das questões mais interessantes de aplicação do princípio está na obrigatoriedade, ou não, de o réu ser submetido ao teste de bafômetro, de DNA, ou a qualquer outra forma de coação que o sujeite à realização de exames.

Para responder à indagação acima, existem duas correntes bem delineadas.


Primeira corrente

A primeira corrente entende ser impossivel a submissão do réu a qualquer perícia contra sua vontade, não se podendo extrair da recusa nenhuma presunção de culpa.

Ora, ontologicamente, a palavra "direito" dá ao seu titular a opção de exercê-lo. Assim, não sendo uma conduta imposta e, optando-se pelo seu exercício, dentro dos limites razoáveis, o sujeito não pode sofrer qualquer sanção (TRF da 4a. Região).

A recusa do acusado ou investigado a se submeter ao exame de DNA ou ao bafômetro não pode ser interpretada, no aspecto penal, como confissão, assim como não é possível conduzí-lo coercitivamente a produzir prova contra si mesmo.

Frise-se que o reconhecimento desse direito não significa impunidade, porquanto apenas se está limitando um meio de prova, podendo ser utilizaods os outros meios legais aptos a provarem a imputação (por exemplo, prova testemunhal).

Não é necessário nem utilizar a intangibilidade corporal, mesmo porque é verossímil a argumentação de que é insignificante, do ponto de vista corpóreo, o material necessário para a realização do exame. O princípio nemo tenetur se detegere se basta por si, pra impedir a coerção estatal contra o réu.

Por outro lado, dizer que a prova de DNA ou bafômetro é indispensável para a condenação do réu é retornar ao sistema da prova tarifada. Nem mesmo essas provas são capazes de definir, por si, a condenação ou a absolvição do réu.

Ademais, devemos lembrar que a condição de réu não é sinônimo de culpado, veja o constramento a que um réu inocente se submete ao ser coagido a realizar qualquer desses exames.


Segunda corrente

A segunda corrente defende a possibilidade de sujeição do réu a exames compulsórios.

Pacelli aponta com precisão: "Nos Estados Unidos e em praticamente toda a Europa são permitidas determinadas ingerências corporais, variando apenas a necessidade de previsão legal e/ou de ordem de autroidade judiciária. Na Alemanha, o art. 81 do StPO autoriza expressamente a extração de sangue para teste de alcoolemia, dispensando ordem judicial, e exigindo a presença de um médico. Na Espanha, o Tribunal Constitucional permite também determinadas intervenções corporais, como anota Ruiz, em coletânea de jurisprudência daquela corte, cuidando de fazer a necessária distinção entre a prova pericial-técnica da prova obtida pelo depoimento, de modo a apontar a possibilidade de se submeter a intervenção corporal ao contraditório, e, assim, ao controle judicial"

Sergio Moro, em denso artigo, conclui: "Deve ser afastado como óbice a velha máxima latina de que ninguém pode ser obrigado a produzir prova contra si mesmo. Como foi demonstrado, não existe base normativa para um direito genérico da espécie, resguardando a Constituição e a lei apenas o direito ao silêncio. Não há, como também demonstrado, argumentos jurídicos, históricos, morais e mesmo de direito comparado que autorizem a amnpliação do direito ao silêncio para um direito genérico de não produzir prova contra si mesmo.

A invocação de pretenso direito da espécie pela doutrina e jurisprudência brasileiras é mais fruto do poder de um slogam do que uma robusta argumentação jurídica. Portanto, há a possibilidade legal e constitucional, com limites noprincípio da proporcionalidade, como os sugeridos, de colheita compulsória de material biológico do acusado e do investigado para exames genéricos em casos criminais".

Acreditamos que deva prevalecer a segunda corrente; todavia, em insistindo na adoção da primeira corrente, deve o Estado quando da realização de blitz, efetuar a gravação ambiental desse motorista. Efetivamente, não é possível alegar violação da intimidade, uma vez que o motorista encontra-se em via pública. Ademais, a filmagem funciona como outro meio de prova, permitindo ao juiz, em casos mais evidentes de embriaguez, formular um juízo adequado da real condição do condutor do veículo automotor.

Evidentemente, o policial que participou da blitz pode depor como testemunha; todavia, nesse depoimento há há falar em presunção de veracidade da administração pública. No processo penal, o depoimento de um policial é equivalente ao de um particular, sendo ambos relativos.

A obrigatoriedade do bafômetro atende ao príncípio da proporcionalidade, uma vez que a medida é adequada (pois é eficaz para reduzir a criminalidade de trânsito), necessária (não existe outro mecanismo mais eficar para solução do problema) e proporcional em sentido estrito (as vantangens superam qualquer insignificante lesão causada pela obrigatoriedade do uso do bafômetro).

Outra situação ilegal se apresenta quando o réu é induzido, fraudulentamente, a confessar. Ou quando o Estado, ainda que não o obrigue a confessar, produz prova de modo que o acusado, inconscientemente, fornece elementos para a sua realização.

Podemos citar como exemplos: a) o oferecimento de um refrigerante ao acusado para, com a saliva deixada no recipiente, realizar o exame; b) o delegado que, ao passar a mão no cabelo dopreso, obtém material biológico suficiente para a perícia; c) o policial que promete ao réu o benefício da delação premiada, mas não o concede.

A solução deve se pautar na lógica de que a confissão do réu só pode ser usada contra ele se houver renúncia ao direito de não produzir prova contra si mesmo. Esse é o alcance do princípio. Qualquer confissão ou material obtidos de modo fraudulento pela polícia ou por qualquer outro agente estatal não podem ser utilizados contra o réu no processo penal garantista.

Por fim, lembre-se que, em decorrência desse princípio, o acusado não pode ser coagido a participar da reconstituição do crime, ou a fornecer padrões gráficos para a realização de perícia, enconrando-se revogado o inciso IV do art. 174 do CPP.

Destaca-se que, no caso da necessidade de obtenção de padrões gráficos, o juiz pode requisitar outros elementos para a perícia, como, por exemplo, a assinatura efetivada na abertura de uma conta corrente em um banco, ou, na hipótese de o réu ser aluno de uma instituição de ensino, o requerimento de um teste por ele realizado. O que é inviável é coagir o acusado a escrever ou interpretar a sua recusa em seu prejuízo.

Américo Bedê Junior e Gustavo Senna, ob, citada.

O PROCESSO PENAL BRASILEIRO

O Código de Processo Penal

Após a vigência das Ordenações do Reino de Portugal (do Século XVI ao início do século XIX), nossa primeira legislação codificada foi o Código de Processo Criminal de Primeira Instância, em 1832, merecendo registro também algumas disposições processuais previstas na Constituição Imperial de 1824, que lhe antecedeu. A tanto não retrocederemos, porém.

A perspectiva histórica que mais nos interessa, exatamente porque até hoje ainda nos alcança, situa-se em meados do século XX, mais precisamente no ano de 1941, com a vigência do nosso, ainda atual (quanto à vigência!), Código de Processo Penal.

Inspirado na legislação processual penal italiana produzida na década de 1930, em pleno regime fascista, o CPP brasileiro foi elaborado em bases notoriamente autoritárias, por razões óbvias e de origem. E nem poderia ser de outro modo, a julgar pelo paradigma escolhido e justificado, por escrito e expressamente, pelo responsável pelo projeto, Ministro Francisco Campos, conforme se observa em sua Exposição de Motivos.

Na redação primitiva do CPP, até mesmo a sentença absolutória não era suficiente para se restituir a liberdade do réu, dependendo do grau de apenação da infração penal (o antigo art. 596). Do mesmo modo, dependendo da pena abstratamente cominada ao fato, uma vez recebida a denúncia, era decretada, automaticamente, a prisão preventiva do acusado, como se realmente do culpado se tratasse (o antigo art. 312).

Aliás, é o que ocorre, hoje, com a legislação dos crimes resultantes de organizações criminosas (Lei n. 9.034/95), dos crimes de lavagem de dinheiro (Lei n. 9.613/98) e do Estatuto do Desarmamento (Lei n. 10.826/03), a vedar a concessão de liberdade provisória.

No ponto, a registrar recente inovação (Lei n. 11.464, de março de 2007) que, alterando o art. 2°, II, da Lei dos crimes hediondos - Lei n. 8.072/90 - passou a permitir a aplicação do art. 310, parágrafo único, do CPP (Liberdade provisória sem fiança), limitando-se a vedar a concessão da fiança.

Logo veremos que o Supremo Tribunal Federal, parcialmente, é certo, vem cuidando de limitar determinados excessos legislativos, a priori, ou seja, sem o exame de cada caso concreto, a restituição à liberdade daquele que foi preso em flagrante, embora venha sinalizando, também, que a previsão constitucional de inafiançabilidade para determinados delitos possa cumprir tal missão (a de vedação, em abstrato, da liberdade provisória). Nesse ponto, aludida jurisprudência retrocede.

O princípio fundamental que norteava o CPP era, como se percebe, o da presunção da culpabilidade. Manzini, penalista italiano que ainda goza de grande prestígio entre nós, ria-se daqueles que pregavam a presunção de inocência, apontando uma suposta inconsistência lógica no raciocínio, pois, dizia ele, como justificar a existência de uma ação penal contra quem seria presumivelmente inocente?

Evidentemente, a aludida dúvida somente pode ser explicada a partir de um pressuposto: o de que o fato da existência de uma acusação implicava juízo de antecipação de culpa, presunção de culpa, portanto, já que ninguém acusa quem é inocente!

Vindo de uma cultura de poder fascista e autoritário, como aquela do regime italiano da década de 1930, nada há de se estranhar. Mas a lamentar há muito. Sobretudo no Brasil, onde a onda policialesca do CPP produziu uma geração de juristas e de aplicadores do Direito que, ainda hoje, mostram alguma dificuldade em se desvencilhar das antigas amarras.

É claro que é - e sempre será - muito difícil compartilhar interesses tão opostos como aqueles representados pela necessidade de aplicação da lei penal (enquanto ela existir) e o exercício da liberdade individual. Por isso é muito importante identificar as premissas teóricas da legislação de 1941, para reconhecer sua vigência, ou não, diante de vista normativo, hierarquicamente superior a outra, como ocorre entre a norma constitucional e a legislação ordinária, mas sobretudo, porque com a identificação da realidade histórica em que foram produzidos os respectivos textos se poderá entender melhor as inúmers incompatibilidades existentes entre ambos.

Então, de modo mais explícito, aponta-se no CPP as seguintes e mais relevantes características:

a) o acusado é tratado como potencial e virtual culpado, sobretudo quando existir prisão em flarante, para a qual, antes da década de 1970, smente era cabível liberdade provisória para crimes afiançáveis, ou quando presente presunção de inocência, consubstanciada na possível e antevista existência de causas de justificação (estado de necessidade, legítima defesa, etc) na conduta do agente (art. 310, caput);

b) na balança entre a tutela da segurança pública e a tutela da liberdade individual, prevalece a preocupação quase exclusiva com a primeria, com o estabelecimento de uma fase investigatória agressivamente inquisitorial, cujo resultado foi uma consequente exacerbação dos poderes dos agentes policiais;

c) a busca da verdade, sinalizada como a da verdade real, legitimou diversas práticas autoritárias e abusivas por parte dos poderes públicos. A ampliação ilimitada da liberdade de iniciativa probatória do juiz, justificada como necessária e indispensável à busca da verdade real, descaracterizou o perfil acusatório que se quis conferir à atividade jurisdicional. Essa parece ser a razão pela qual Jacinto Nelson Miranda Coutinho, ilustre processualista, Professor Titular da Faculdade de Direito da Universidade do Paraná, insiste em conceituar o nosso modelo processual como de natureza preferencialmente inquisitorial.

d) o interrogatório do réu era realizado, efetivamente, em ritmo inquisitivo, sem a invervenção das partes, e exclusivamente como meio de prova, e não de defesa, estando o juiz autorizado a valorar, contra o acusado, o seu comportamento no aludido ato, seja em forma de silêncio (antiga redação do art. 186 e o ainda atual art. 198, já revogado implicitamente), seja pelo não comparecimento em juízo. É autorizada, então, a sua condução coercitiva (art. 260 do CPP). Como veremos, a Lei n. 10.792/2003, nesse ponto (o do interrogatório), produziu profundas mudanças na matéria, alterando expressamente o disposto no art. 186 do CPP, e, agora, por incompatibilidade, também a previsão do art. 198 do CPP.

É preciso registrar, porém, que na década de 1970, mais precisamente nos anos 1973 e 1977, houve grandes alterações no CPP, iniciadas, aliás, com a Lei n. 5.349/67, por meio das quais foram flexibilizadas inúmeras regras restritivas do direito à liberdade. Mais recentemente, então, com as Leis 11.689, 11.690 e 11.719, todas de junho de 2008, a legislação processual penal sofreu novos e grandes ajustes, cujas alterações serão apreciadas a seu tempo e no espaço temático adequado.



Eugênio Pacelli de Oliveira, Curso de Processo Penal, 11ª edição, LumenJuris, 2009.