sábado, 30 de maio de 2009

PRINCÍPIO DO ESTADO DE INOCÊNCIA - PRESUNÇÃO DE NÃO CULPABILIDADE

"A prisão anterior à condenação definitiva constitui a maior contradição do processo penal, pois, se ete existe justamente para apurar a culpabilidade do acusado e impor a sanção punitiva correspondente ao crime praticado, não se pode explicar, com argumentos racionais, a sobrevivência de qualquer forma de restrição de um bem fundamental como é a liberdade, antes de estar judicialmente reconhecido o direito de punir do Estado"

Antonio Magalhães Gomes Filho

sábado, 23 de maio de 2009

ILICITUDEDA PROVA E INTERCEPTAÇÃO E GRAVAÇÃO TELEFÔNICA

A Constituição admitiu excepcionalmente a interceptação telefônica, exigindo lei para definir as hipóteses de cabimento.

A Constituição apenas ressalta que somente o juiz criminal pode deferir a produção de interceptações telefônicas e que essa prova deve ser requerida para fins criminais, transparecendo com isso uma clara opção no sentido de que a intimidade deve ser preservada e só de modo excepcional se pode admitir a interceptação telefônica.

O STF pacificou que todas as interceptações anteriores à Lei n° 9.296/96 eram provas ilícitas e somente admitiu essa prova após a edição da lei.

A Lei n. 9.296/96 exige o preenchimento de três requisitos para que o juiz defira a interceptação telefônica:

* a exigência de indícios de autoria (o que demonstra a adequação da medida);

* a comprovação de que não existe outro meio de prova (o que atende ao requisito da necessidade da medida);

* e que o fato investigado seja punido com pena de reclusão (o que demonstra a aplicação da proporcionalidade em sentido estrito, ao pontuar que, para as contravenções e crimes punidos com detenção, as vantagens da efetiva punição não superam as desvantagens, ou seja, a mitigação do direito à intimidade).

Os requisitos para o deferimento da medida estão em consonância com o princípio da proporcionalidade, devendo o juiz realizar uma motivação fática compatível com a gravidade da medida de interceptação, não sendo possível aceitar como fundamentação a alegação genérica do preenchimento dos requisitos legais para o deferimento da ordem.

A Lei n. 9.296/96 limita o tempo de interceptação ao prazo de 15 dias, podendo o juiz, fundamentadamente, admitir a prorrogação desse prazo. Alguns autores preenderam limitar a prorrogação judicial a uma única, totalizando o prazo máximo de 30 dias durante o qual o telefone pode ser interceptado, mas vem prevalecendo apenas que o juiz fundamentadamente de 15 em 15 dias o preenchimento dos requisitos para a manutenção da medida.

A lei prevê a possibilidade de o juiz determinar de ofício a interceptação telefônica, sendo que alguns autores entendem que essa medida violaria o sistema acusatório. Como já dito, qualquer meio de prova pode ser produzida pelo juiz, razão pela qual não concordamos com tal alegação, bem como a autoridade policial ou Ministério Público podem requerer a interceptação.

Apesar de não existir previsão de interceptação telefônica requerida pela defesa, entendemos que, em nome da ampla defesa e da paridade de armas, é plenamente possível a defesa requerer a interceptação.

Questão polêmica refere-se à degravação do conteúdo das conversas interceptadas. O problema é deveras relevante, porque é inegável que, com a mudança de contexto, alguma afirmação pode perder por completo seu sentido.

No confronto entre várias correntes sobre o tema, adotamos por adotar a posição intermediária que defende que a conversa a ser utilizada contra o réu deve ser degravada na íntegra, sem prejuizo de o réu ter acesso a todas as conversas por meio magnético.

Não se justifica exigir a degravação de parte que não será utilizada no processo; todavia, mesmo que isso leve dias ou meses, a degravação das conversas que podem produzir prova contra o réu necessariamente deve ser feita na íntegra.

Apesar da publicidade do processo penal, a interceptação telefônica deve ser mantida em sigilo, até porque tal medida atinge a intimidade das pessoas. Por certo, a imprensa escrita ou falada e os meios de comunicação não são o local adequado para punir ninguém, nem para transformar o processo penal num ritual circense para diversão com o sofrimento alheio.

A simples previsão legal de crime para quem quebra o segredo não vem sendo bastante para impedir a divulgação cotidiana do conteúdo das interceptações. É sabido que pode existir um interesse púbico, especialmente quando o réu ocupa cargos públicos, porém a divulgação somente poderia ser efetuada após o juiz autorizar o fim do sigilo e depois de oportunizar ao réu o exercício do contraditório sobre aquela prova e, ainda assim, deveria ser possível apenas a transcrição na íntegra, e não de trechos, que, como já dito, pode induzir e alterar o sentido de qualquer conversa.

Evidentemente, aquelas gravações que não interessarem como meio de prova dever ser destruídas, tendo a lei previsto uma audiência específica para essa finalidade.

Por fim, é de se destacar que deve ser aperfeiçoada a lei de interceptação telefônica, mas essas alterações não podem inviabilizar, na prática, a utilização desse meio de prova, nem banalizar o instituto, que deve ser sempre uma medida excepcional.

Questão diversa é a figura da gravação telefônica que ocorre quando um dos interlocutores, independentemente do consentimento do outro, efetua a gravação da conversa telefônica. Veja que aqui não existe a figura do terceiro.

O entendimento majoritário é no sentido de que a Constituição não impede a gravação, independentemente de ordem judicial, devendo ser lembrado aquilo que falamos em relação à gravação ambiental.




Américo Bedê Junior e Gustavo Senna, ob. cit.

domingo, 17 de maio de 2009

ILICITUDE DA PROVA E GRAVAÇÃO AMBIENTAL CLANDESTINA

Outra questão importante é a gravação clandestina. Utiliza-se o termo gravação quando um dos interlocutores efetua a gravação da conversa, não havendo falar em terceira pessoa, pois um dos integrantes da conversa e quem efetua a sua gravação.

Sobre o tema, Walter Nunes sustenta: "A respeito do assunto, note-se que, após a vigência da Constituição de 1988, se demora houve para o Supremo Tribunal Federal tivesse a primeira oportunidade para abordar o alcance da cláusula constitucional que estabelece a nulidade das provas obtidas por meio ilícito, ela não foi acentuada, uma vez que o primeiro contato com a matéria pela mais Alta Corte do País ocorreu no ano de 1993, no julgamento do processo mais conhecido como Caso Magri, no qual a defesa apresentada pelo advogado, para fins de inibir o recebimento da denúncia, era de que a prova, consubstanciada em gravação clandestina de conversa do acusado com outrem, continha eiva de nulidade, por afronta ao direito fundamental de preservação da intimidade.

Ali, naquele julgado, a Colenda Corte findou não acolhendo a tese de defesa, ao argumento de que a gravação clandestina, a despeito de ser reprovável no campo ético, não o é no jurídico, pois as garantias estabelecidas na Constituição em forma de direitos fundamentais, em rigor, estão previstas como forma de proteção à intervenção de terceiros, de modo que, quando um dos interlocutores cuida de registrar a sua conversa com outrem, ainda que sem o consentimento deste, não se á de falar em ofensa ao direito á intimidade.

Evidente que, na hipótese de gravação clandestina, apenas houve a documentação de uma situação que já não estava coberta pelo âmbito da intimidade, pois, quando um dos interlocutores dirigiu-se para o outro, o fez com total abdicação da intimidade, de forma que a gravação apenas documenta uma confissão ou um testemunho.

Nesse diapasão, é de se lembrar que, em situação análoga à da gravação clandestina, o Código de Processo Penal já previa, no parágrafo único do art. 233, que "as cartas poderá ser exibidas em juízo pelo respectivo destinatário, para a defesa de seu direito, ainda que não haja consentimento do signatário".

O fundamento para a utilização da carta é exatamente o mesmo da gravação clandestina, motivo pelo qual deve ser aceita como prova válida a gravação efetuada por um dos interlocutores independentemente de ordem judicial.

Por fim, devemos lembrar Denilson Pacheco, que, citando um precedente do STF, pontua: "Entendemos que, em princípio, o destinatário de qualquer dessas comunicações ambientais pode gravar o conteúdo daquilo que recebe, ainda que clandestinamente, ou seja, sem que o emissor saiba. Ora, se alguém é destinatário do conteúdo informacional e tem ciência dessa informação exatamente porque é o destinatário, não há, prima facie, óbice em que registre aquilo que já sabe. Assim, o STF entendeu que era lícita a prova constante de gravação audiovisual de conversa da ré com detetive e a repóter de TV, que se fizeram passar por interessados no anúncio veiculado, por se tratar de flagrante delito, com a observação de que não se caracterizou flagrante preparado, pois a autoridade policial, alertada da intenção criminosa, limitou-se a tomar providências necessárias para surpreender o criminoso, no ato da consumação do delito".

sábado, 2 de maio de 2009

Escuta Ambiental e Exploração de Local: Escritório de Advogado e Período Noturno

Trecho de julgamento do Supremo Tribunal Federal.

Prosseguindo, rejeitou-se a preliminar de ilicitude da prova de escuta ambiental, por ausência de procedimento previsto em lei.

Sustentava a defesa que a Lei 9.034/95 não teria traçado normas procedimentais para a execução da escuta ambiental, razão pela qual a medida não poderia ser adotada no curso das investigações.

Entendeu-se não proceder a alegação, tendo vista que a Lei 10.217/2001 deu nova redação aos artigos 1º e 2º da Lei 9.034/95, definindo e regulando meios de prova e procedimentos investigatórios que versem sobre ilícitos decorrentes de ações praticadas por quadrilha ou bando ou organizações ou associações criminosas de qualquer tipo.

Salientou-se o disposto nesse art. 2º, na redação dada pela Lei 10.217/2001 (”Em qualquer fase de persecução criminal são permitidos, sem prejuízo dos já previstos em lei, os seguintes procedimentos de investigação e formação de provas: … IV - a captação e a interceptação ambiental de sinais eletromagnéticos, óticos ou acústicos, e o seu registro e análise, mediante circunstanciada autorização judicial;”), e concluiu-se pela licitude da escuta realizada, já que para obtenção de dados por meio dessas formas excepcionais seria apenas necessária circunstanciada autorização judicial, o que se dera no caso.

Asseverou-se, ademais, que a escuta ambiental não se sujeita, por motivos óbvios, aos mesmos limites de busca domiciliar, sob pena de frustração da medida, e que, não havendo disposição legal que imponha disciplina diversa, basta a sua legalidade a circunstanciada autorização judicial.
Inq 2424/RJ, rel. Min. Cezar Peluso, 19 e 20.11.2008. (Inq-2424)

Escuta Ambiental e Exploração de Local: Escritório de Advogado e Período Noturno - 5

Afastou-se, de igual modo, a preliminar de ilicitude das provas obtidas mediante instalação de equipamento de captação acústica e acesso a documentos no ambiente de trabalho do último acusado, porque, para tanto, a autoridade, adentrara o local três vezes durante o recesso e de madrugada.

Esclareceu-se que o relator, de fato, teria autorizado, com base no art. 2º, IV, da Lei 9.034/95, o ingresso sigiloso da autoridade policial no escritório do acusado, para instalação dos referidos equipamentos de captação de sinais acústicos, e, posteriormente, determinara a realização de exploração do local, para registro e análise de sinais ópticos.

Observou-se, de início, que tais medidas não poderiam jamais ser realizadas com publicidade alguma, sob pena de intuitiva frustração, o que ocorreria caso fossem praticadas durante o dia, mediante apresentação de mandado judicial. Afirmou-se que a Constituição, no seu art. 5º, X e XI, garante a inviolabilidade da intimidade e do domicílio dos cidadãos, sendo equiparados a domicílio, para fins dessa inviolabilidade, os escritórios de advocacia, locais não abertos ao público, e onde se exerce profissão (CP, art. 150, § 4º, III), e que o art. 7º, II, da Lei 8.906/94 expressamente assegura ao advogado a inviolabilidade do seu escritório, ou local de trabalho, de seus arquivos e dados, de sua correspondência, e de suas comunicações, inclusive telefônicas ou afins, salvo caso de busca ou apreensão determinada por magistrado e acompanhada de representante da OAB.

Considerou-se, entretanto, que tal inviolabilidade cederia lugar à tutela constitucional de raiz, instância e alcance superiores quando o próprio advogado seja suspeito da prática de crime concebido e consumado, sobretudo no âmbito do seu escritório, sob pretexto de exercício da profissão. Aduziu-se que o sigilo do advogado não existe para protegê-lo quando cometa crime, mas proteger seu cliente, que tem direito à ampla defesa, não sendo admissível que a inviolabilidade transforme o escritório no único reduto inexpugnável de criminalidade.

Enfatizou-se que os interesses e valores jurídicos, que não têm caráter absoluto, representados pela inviolabilidade do domicílio e pelo poder-dever de punir do Estado, devem ser ponderados e conciliados à luz da proporcionalidade quando em conflito prático segundo os princípios da concordância. Não obstante a equiparação legal da oficina de trabalho com o domicílio, julgou-se ser preciso recompor a ratio constitucional e indagar, para efeito de colisão e aplicação do princípio da concordância prática, qual o direito, interesse ou valor jurídico tutelado por essa previsão.

Tendo em vista ser tal previsão tendente à tutela da intimidade, da privatividade e da dignidade da pessoa humana, considerou-se ser, no mínimo, duvidosa, a equiparação entre escritório vazio com domicílio stricto sensu, que pressupõe a presença de pessoas que o habitem. De toda forma, concluiu-se que as medidas determinadas foram de todo lícitas por encontrarem suporte normativo explícito e guardarem precisa justificação lógico-jurídico constitucional, já que a restrição conseqüente não aniquilou o núcleo do direito fundamental e está, segundo os enunciados em que desdobra o princípio da proporcionalidade, amparada na necessidade da promoção de fins legítimos de ordem pública. Vencidos os Ministros Marco Aurélio, Celso de Mello e Eros Grau, que acolhiam a preliminar, ao fundamento de que a invasão do escritório profissional, que é equiparado à casa, no período noturno estaria em confronto com o previsto no art. 5º, XI, da CF.
Inq 2424/RJ, rel. Min. Cezar Peluso.

sexta-feira, 1 de maio de 2009

TEORIA DOS FRUTOS DA ÁRVORE ENVENENADA

Outro ponto que vem sendo acolhido no direito brasileiro é a "teoria dos frutos da árvore envenenada", ou prova ilícita por derivação.

Por essa conjectura, a palavra ilícita, além de provocar sua própria anulação, também macularia as demais provas delas derivadas, mesmo que licitamente produzidas.

A lógica da "teoria dos frutos da árvore envenenada" é impedir que o Estado, titular de jus puniendi, aufira qualquer vantagem com a utilização de uma prova ilícita.

Portanto, havendo contaminação das provas obtidas a partir de uma prova ilícita, impõe-se a aplicação da teoria em comento, de modo que o Estado não alcance nenhum benefício por força de descumprimento das regras do direito.

Admitindo-se, então, a "teoria dos frutos da árvore envenenada", há que se pontuar as hipóteses nas quais não ocorrerá contaminação da prova lícita, ou seja, as exceções à sua aplicabilidade.


Exceções nas quais não ocorrerá contaminação da prova lícita

A primeira ressalva pode ser conhecida como a "teoria da prova que seria obtida de qualquer modo", ou seja, restando demonstrado que, de qualquer modo, chegar-se-ia àquela prova, não faz sentido considerá-la ilícita pelo fato de derivar de uma prova ilícita. Exemplificando: a polícia, por meio de uma interceptação ilegal, descobre que Tício presenciou um crime e, assim, determina a sua oitiva como testemunha. No entanto, Mélvio, que já ia prestar depoimento no processo, afirma que Tício estava também presnte no momento do crime. Ora, mesmo se não existisse a receptação ilícia, de qualquer modo, com o depoimento de Mélvio, chegar-se-ia ao conhecimento de que Tício era testemunha ocular do delito. Portanto, não há razão para se anular o depoimento de Tício. Nesse caso, não se deve aplicar a "teoria dos frutos da árvore envenenada".

A segunda exceção consistiria na ilicitude praticada por particular. Ora, como já asseverado, a justificativa para a adoção da "teoria dos frutos da árvore envenenada" é o fato de o Estado não poder se beneficiar de um ato ilícito por eleperpetrado. Se, ao revés, foi o particular que praticou o ato eivado de ilicitude, não há falar em contaminação das demais provas obtidas. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 251 445/GO, não aplicou essa distinção, o que nos parece um equívoco.

Aliás, criticando essa decisão da Corte Suprema, Eugênio Pacelli anota: "Ora, se a mais relevante função desempenhada pela garantia da inadmissibilidade da prova ilícita, para além de sua dimensão ética, é servir como fator inibitório e intimidatório de práticas ilegais, por parte dos órgãos responsáveis pela produção da prova, constata-se que, em nenum momento, tal missão foi cumprida. Ou, mais ainda, que em nenhum momento colocou-se em risco o incremento das atividades policiais abusivas. E assim nos parece porque quem produziu a prova não foi o Estado e sim um particular, que, à evidência, não se dedica a essa função (a de produtor de provas no processo penal).


Américo Bedê Junior e Gustavo Senna, Princípios do Processo Penal, Revista dos Tribunais, 2009