terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

PRINCÍPIO DA PROIBIÇÃO DE UTILIZAÇÃO DE PROVAS ILÍCITAS

A Constituição afirma, peremptoriamente, no inciso LVI do art. 5º, que "são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos".

Apesar da clareza do dispositivo, que busca preservar a legalidade na colheita de provas, a doutrina e a jurisprudência pátrias vêm apontando inúmeras situações em que não há aplicação pura e simples da norma fundamental.

Portanto, tal princípio é aquele que não admite provas obtida de forma ilícita no processo.


Questões controvertidas

Utilização de prova ilícita em face da gravidade do crime

Questão já clássica, a esse respeito, é a discussão sobre a utilização de uma interceptação telefônica não autorizada, do diálogo de um terrorista, e a possibilidade, em razão da gravidade do crime, de se validar essa prova para buscar a condenação do agente.

Apesar de reconhecermos certa procedência desses argumentos e a desigualdade real no combate à criminalidade, já que ela não tem qualquer limite jurídico ou moral, há de que se lembrar que o entendimento majoritário é de que não se pode transigir quando se trata de direitos fundamentais, pois seria o primeiro passo para a legalização do abuso e da ditadura.

Tiago Ávila (Provas Ilícitas e Proporcionalidade) sustenta:

"A garantia da admissibilidade possui como teologia central o efeito disuasório de violações aos direitos fundamentais (fim de proteção).

"São críticas a garantia da inadmissibilidade à luz da funcionalidade do processo: nem sempre a exclusão da prova irá permitir um efeito dissuasório efetivo; nem sempre a admissão de provas verídicas, ainda que obitdas com alguma violação material, acarrerará a injsutiça do julgamento; em muitas situações (especialmente diante de crimes mais graves) a exclusão de prova obtida de forma ilícia, mas verídica, causa muitos mais descréditos à integridade judicial que a sua admissão, sob uma perspectiva comunitarista; a inadmissibilidade constitui em muitas situações um instrumento de imunização da classe alta contra seus delitos; a inadmissibilidade das provas ilícitas não é um princípio absoluto, mas deve ser ponderada com os demais princípios conflitantes".

sábado, 21 de fevereiro de 2009

PRINCIPIO NEMO TENETUR SE DETEGERE X OBRIGATORIEDADE DE TESTE DE BAFÔMETRO, DE DNA E OUTRAS FORMAS

Uma das questões mais interessantes de aplicação do princípio está na obrigatoriedade, ou não, de o réu ser submetido ao teste de bafômetro, de DNA, ou a qualquer outra forma de coação que o sujeite à realização de exames.

Para responder à indagação acima, existem duas correntes bem delineadas.


Primeira corrente

A primeira corrente entende ser impossivel a submissão do réu a qualquer perícia contra sua vontade, não se podendo extrair da recusa nenhuma presunção de culpa.

Ora, ontologicamente, a palavra "direito" dá ao seu titular a opção de exercê-lo. Assim, não sendo uma conduta imposta e, optando-se pelo seu exercício, dentro dos limites razoáveis, o sujeito não pode sofrer qualquer sanção (TRF da 4a. Região).

A recusa do acusado ou investigado a se submeter ao exame de DNA ou ao bafômetro não pode ser interpretada, no aspecto penal, como confissão, assim como não é possível conduzí-lo coercitivamente a produzir prova contra si mesmo.

Frise-se que o reconhecimento desse direito não significa impunidade, porquanto apenas se está limitando um meio de prova, podendo ser utilizaods os outros meios legais aptos a provarem a imputação (por exemplo, prova testemunhal).

Não é necessário nem utilizar a intangibilidade corporal, mesmo porque é verossímil a argumentação de que é insignificante, do ponto de vista corpóreo, o material necessário para a realização do exame. O princípio nemo tenetur se detegere se basta por si, pra impedir a coerção estatal contra o réu.

Por outro lado, dizer que a prova de DNA ou bafômetro é indispensável para a condenação do réu é retornar ao sistema da prova tarifada. Nem mesmo essas provas são capazes de definir, por si, a condenação ou a absolvição do réu.

Ademais, devemos lembrar que a condição de réu não é sinônimo de culpado, veja o constramento a que um réu inocente se submete ao ser coagido a realizar qualquer desses exames.


Segunda corrente

A segunda corrente defende a possibilidade de sujeição do réu a exames compulsórios.

Pacelli aponta com precisão: "Nos Estados Unidos e em praticamente toda a Europa são permitidas determinadas ingerências corporais, variando apenas a necessidade de previsão legal e/ou de ordem de autroidade judiciária. Na Alemanha, o art. 81 do StPO autoriza expressamente a extração de sangue para teste de alcoolemia, dispensando ordem judicial, e exigindo a presença de um médico. Na Espanha, o Tribunal Constitucional permite também determinadas intervenções corporais, como anota Ruiz, em coletânea de jurisprudência daquela corte, cuidando de fazer a necessária distinção entre a prova pericial-técnica da prova obtida pelo depoimento, de modo a apontar a possibilidade de se submeter a intervenção corporal ao contraditório, e, assim, ao controle judicial"

Sergio Moro, em denso artigo, conclui: "Deve ser afastado como óbice a velha máxima latina de que ninguém pode ser obrigado a produzir prova contra si mesmo. Como foi demonstrado, não existe base normativa para um direito genérico da espécie, resguardando a Constituição e a lei apenas o direito ao silêncio. Não há, como também demonstrado, argumentos jurídicos, históricos, morais e mesmo de direito comparado que autorizem a amnpliação do direito ao silêncio para um direito genérico de não produzir prova contra si mesmo.

A invocação de pretenso direito da espécie pela doutrina e jurisprudência brasileiras é mais fruto do poder de um slogam do que uma robusta argumentação jurídica. Portanto, há a possibilidade legal e constitucional, com limites noprincípio da proporcionalidade, como os sugeridos, de colheita compulsória de material biológico do acusado e do investigado para exames genéricos em casos criminais".

Acreditamos que deva prevalecer a segunda corrente; todavia, em insistindo na adoção da primeira corrente, deve o Estado quando da realização de blitz, efetuar a gravação ambiental desse motorista. Efetivamente, não é possível alegar violação da intimidade, uma vez que o motorista encontra-se em via pública. Ademais, a filmagem funciona como outro meio de prova, permitindo ao juiz, em casos mais evidentes de embriaguez, formular um juízo adequado da real condição do condutor do veículo automotor.

Evidentemente, o policial que participou da blitz pode depor como testemunha; todavia, nesse depoimento há há falar em presunção de veracidade da administração pública. No processo penal, o depoimento de um policial é equivalente ao de um particular, sendo ambos relativos.

A obrigatoriedade do bafômetro atende ao príncípio da proporcionalidade, uma vez que a medida é adequada (pois é eficaz para reduzir a criminalidade de trânsito), necessária (não existe outro mecanismo mais eficar para solução do problema) e proporcional em sentido estrito (as vantangens superam qualquer insignificante lesão causada pela obrigatoriedade do uso do bafômetro).

Outra situação ilegal se apresenta quando o réu é induzido, fraudulentamente, a confessar. Ou quando o Estado, ainda que não o obrigue a confessar, produz prova de modo que o acusado, inconscientemente, fornece elementos para a sua realização.

Podemos citar como exemplos: a) o oferecimento de um refrigerante ao acusado para, com a saliva deixada no recipiente, realizar o exame; b) o delegado que, ao passar a mão no cabelo dopreso, obtém material biológico suficiente para a perícia; c) o policial que promete ao réu o benefício da delação premiada, mas não o concede.

A solução deve se pautar na lógica de que a confissão do réu só pode ser usada contra ele se houver renúncia ao direito de não produzir prova contra si mesmo. Esse é o alcance do princípio. Qualquer confissão ou material obtidos de modo fraudulento pela polícia ou por qualquer outro agente estatal não podem ser utilizados contra o réu no processo penal garantista.

Por fim, lembre-se que, em decorrência desse princípio, o acusado não pode ser coagido a participar da reconstituição do crime, ou a fornecer padrões gráficos para a realização de perícia, enconrando-se revogado o inciso IV do art. 174 do CPP.

Destaca-se que, no caso da necessidade de obtenção de padrões gráficos, o juiz pode requisitar outros elementos para a perícia, como, por exemplo, a assinatura efetivada na abertura de uma conta corrente em um banco, ou, na hipótese de o réu ser aluno de uma instituição de ensino, o requerimento de um teste por ele realizado. O que é inviável é coagir o acusado a escrever ou interpretar a sua recusa em seu prejuízo.

Américo Bedê Junior e Gustavo Senna, ob, citada.

O PROCESSO PENAL BRASILEIRO

O Código de Processo Penal

Após a vigência das Ordenações do Reino de Portugal (do Século XVI ao início do século XIX), nossa primeira legislação codificada foi o Código de Processo Criminal de Primeira Instância, em 1832, merecendo registro também algumas disposições processuais previstas na Constituição Imperial de 1824, que lhe antecedeu. A tanto não retrocederemos, porém.

A perspectiva histórica que mais nos interessa, exatamente porque até hoje ainda nos alcança, situa-se em meados do século XX, mais precisamente no ano de 1941, com a vigência do nosso, ainda atual (quanto à vigência!), Código de Processo Penal.

Inspirado na legislação processual penal italiana produzida na década de 1930, em pleno regime fascista, o CPP brasileiro foi elaborado em bases notoriamente autoritárias, por razões óbvias e de origem. E nem poderia ser de outro modo, a julgar pelo paradigma escolhido e justificado, por escrito e expressamente, pelo responsável pelo projeto, Ministro Francisco Campos, conforme se observa em sua Exposição de Motivos.

Na redação primitiva do CPP, até mesmo a sentença absolutória não era suficiente para se restituir a liberdade do réu, dependendo do grau de apenação da infração penal (o antigo art. 596). Do mesmo modo, dependendo da pena abstratamente cominada ao fato, uma vez recebida a denúncia, era decretada, automaticamente, a prisão preventiva do acusado, como se realmente do culpado se tratasse (o antigo art. 312).

Aliás, é o que ocorre, hoje, com a legislação dos crimes resultantes de organizações criminosas (Lei n. 9.034/95), dos crimes de lavagem de dinheiro (Lei n. 9.613/98) e do Estatuto do Desarmamento (Lei n. 10.826/03), a vedar a concessão de liberdade provisória.

No ponto, a registrar recente inovação (Lei n. 11.464, de março de 2007) que, alterando o art. 2°, II, da Lei dos crimes hediondos - Lei n. 8.072/90 - passou a permitir a aplicação do art. 310, parágrafo único, do CPP (Liberdade provisória sem fiança), limitando-se a vedar a concessão da fiança.

Logo veremos que o Supremo Tribunal Federal, parcialmente, é certo, vem cuidando de limitar determinados excessos legislativos, a priori, ou seja, sem o exame de cada caso concreto, a restituição à liberdade daquele que foi preso em flagrante, embora venha sinalizando, também, que a previsão constitucional de inafiançabilidade para determinados delitos possa cumprir tal missão (a de vedação, em abstrato, da liberdade provisória). Nesse ponto, aludida jurisprudência retrocede.

O princípio fundamental que norteava o CPP era, como se percebe, o da presunção da culpabilidade. Manzini, penalista italiano que ainda goza de grande prestígio entre nós, ria-se daqueles que pregavam a presunção de inocência, apontando uma suposta inconsistência lógica no raciocínio, pois, dizia ele, como justificar a existência de uma ação penal contra quem seria presumivelmente inocente?

Evidentemente, a aludida dúvida somente pode ser explicada a partir de um pressuposto: o de que o fato da existência de uma acusação implicava juízo de antecipação de culpa, presunção de culpa, portanto, já que ninguém acusa quem é inocente!

Vindo de uma cultura de poder fascista e autoritário, como aquela do regime italiano da década de 1930, nada há de se estranhar. Mas a lamentar há muito. Sobretudo no Brasil, onde a onda policialesca do CPP produziu uma geração de juristas e de aplicadores do Direito que, ainda hoje, mostram alguma dificuldade em se desvencilhar das antigas amarras.

É claro que é - e sempre será - muito difícil compartilhar interesses tão opostos como aqueles representados pela necessidade de aplicação da lei penal (enquanto ela existir) e o exercício da liberdade individual. Por isso é muito importante identificar as premissas teóricas da legislação de 1941, para reconhecer sua vigência, ou não, diante de vista normativo, hierarquicamente superior a outra, como ocorre entre a norma constitucional e a legislação ordinária, mas sobretudo, porque com a identificação da realidade histórica em que foram produzidos os respectivos textos se poderá entender melhor as inúmers incompatibilidades existentes entre ambos.

Então, de modo mais explícito, aponta-se no CPP as seguintes e mais relevantes características:

a) o acusado é tratado como potencial e virtual culpado, sobretudo quando existir prisão em flarante, para a qual, antes da década de 1970, smente era cabível liberdade provisória para crimes afiançáveis, ou quando presente presunção de inocência, consubstanciada na possível e antevista existência de causas de justificação (estado de necessidade, legítima defesa, etc) na conduta do agente (art. 310, caput);

b) na balança entre a tutela da segurança pública e a tutela da liberdade individual, prevalece a preocupação quase exclusiva com a primeria, com o estabelecimento de uma fase investigatória agressivamente inquisitorial, cujo resultado foi uma consequente exacerbação dos poderes dos agentes policiais;

c) a busca da verdade, sinalizada como a da verdade real, legitimou diversas práticas autoritárias e abusivas por parte dos poderes públicos. A ampliação ilimitada da liberdade de iniciativa probatória do juiz, justificada como necessária e indispensável à busca da verdade real, descaracterizou o perfil acusatório que se quis conferir à atividade jurisdicional. Essa parece ser a razão pela qual Jacinto Nelson Miranda Coutinho, ilustre processualista, Professor Titular da Faculdade de Direito da Universidade do Paraná, insiste em conceituar o nosso modelo processual como de natureza preferencialmente inquisitorial.

d) o interrogatório do réu era realizado, efetivamente, em ritmo inquisitivo, sem a invervenção das partes, e exclusivamente como meio de prova, e não de defesa, estando o juiz autorizado a valorar, contra o acusado, o seu comportamento no aludido ato, seja em forma de silêncio (antiga redação do art. 186 e o ainda atual art. 198, já revogado implicitamente), seja pelo não comparecimento em juízo. É autorizada, então, a sua condução coercitiva (art. 260 do CPP). Como veremos, a Lei n. 10.792/2003, nesse ponto (o do interrogatório), produziu profundas mudanças na matéria, alterando expressamente o disposto no art. 186 do CPP, e, agora, por incompatibilidade, também a previsão do art. 198 do CPP.

É preciso registrar, porém, que na década de 1970, mais precisamente nos anos 1973 e 1977, houve grandes alterações no CPP, iniciadas, aliás, com a Lei n. 5.349/67, por meio das quais foram flexibilizadas inúmeras regras restritivas do direito à liberdade. Mais recentemente, então, com as Leis 11.689, 11.690 e 11.719, todas de junho de 2008, a legislação processual penal sofreu novos e grandes ajustes, cujas alterações serão apreciadas a seu tempo e no espaço temático adequado.



Eugênio Pacelli de Oliveira, Curso de Processo Penal, 11ª edição, LumenJuris, 2009.